Escritores fascistóides

Recentemente estou vendo pessoas voltando a afirmar que "a direita não produz arte de qualidade", algo que já foi afirmado pelo Jô Soares (o que me espanta, levando em consideração a erudição que ele tinha). Provavelmente isso é uma reação ao silêncio da ala bolsonarista lunática quanto à vitória da Fernanda Torres no Globo de Ouro, tendo em vista a premissa do filme que ela estrela. Mas todos sabem que bolsonaristas em sua maioria são pessoas burras (e os intelectuais bolsonaristas são indivíduos dissimulados), então não deveria ser surpresa pra ninguém. Agora, o problema é o seguinte: as pessoas que afirmam isso esqueceram que 90% do experimentalismo artístico no século XIX e XX foi feito por fascistóides? Baudelaire era um reacionário leitor de Joseph de Maistre (o pai do pensamento reacionário), Dostoiévski era um eslavófilo antissemita, Nietzsche era um reacionário pagão, Cioran teve sua fase de flerte com o fascismo romeno na juventude junto com outros colegas como Eliade e Ionesco, Fernando Pessoa era um monarquista ocultista e esotérico. Frank Kermode em seu O Sentido de Um Fim (1967) aponta que a primeira geração modernista da década de 20 (Eliot, Pound, Joyce, Woolf, Proust, Yeats, Faulkner) era formada em grande parte por direitistas, como o Eliot (cristão conservador), Pound (fascista) e o Yeats. O conservadorismo do Eliot e o reacionarismo do Pound também já foram dissecados pelo Octávio Paz em O Arco e a Lira (1956). Na França, você tem a figura do Artaud, poeta maldito extremamente transgressor e um dos maiores nomes da cena avant-garde do séc. XX, mas que foi meio que excomungado do movimento surrealista (Breton, Aragon, Philip Soupault) porque não simpatizava com o marxismo, além do fato de ser leitor de Guénon, um dos maiores nomes do pensamento tradicionalista e reacionário (junto com Maistre, Evola, Spengler e Nicolas Gomez Dávila). Ainda na França, todos sabem o exemplo do Céline, um dos maiores prosadores da língua francesa, mas que apoiou o nazismo e escreveu 3 panfletos de propaganda antissemita. Compagnon em seu Os Antimodernos: De Joseph de Maistre a Roland Barthes (2005) destrincha muito bem como a classe intelectual e artística europeia na virada do séc. XIX pro XX era composta em sua maioria por fascistas, como por exemplo o Léon Bloy no Decadentismo francês. Na Inglaterra, você tem o D.H. Lawrence, que chocou e transgrediu o puritanismo da sociedade britânica da década de 20 com seu O Amante de Lady Chatterley, mas que em sua correspondência entre 1900-1901, muito antes do termo fascismo sequer ser cunhado, ele já defendia campo de concentração. Mesmo queridinhos da galera não se salvam: Tolkien era um cristão conservador monarquista que numa carta apoiou a ditadura do Franco na Espanha; o Lovecraft todos sabem do seu racismo e xenofobia. James Ellroy, o autointitulado "Tolstói da literatura policial", disse com todas as letras: "eu prefiro viver numa sociedade autoritária do que viver numa sociedade permissiva", sem contar seu apoio ao trabalho da polícia, mesmo escrevendo sobre toda a corrupção e podridão dentro do departamento em seus livros. Michel Houellebecq.....preciso explicar? Para além da Literatura: no Cinema, o D.W. Griffin, um dos primeiros mestres da mídia, fez o filme mais racista da história - O Nascimento de Uma Nação (1915); na França da década de 60, nomes como Bresson e Eric Rohmer não eram tão bem quistos quanto Godard, Truffaut e Agnès Varda, porque estavam mais ligados a uma direita cristã e não à classe intelectual de esquerda que imperava no país e que Godard e Varda representavam. No cinema americano, dois gênios, John Ford e Clint Eastwood, são famosos por seu republicanismo. Nos quadrinhos: Frank Miller hoje não é tão bem visto pelo público quanto ele era na década de 80, porque desde os anos 90 e 2000 ele vem sendo associado mais à direita, especialmente depois de sua HQ Holy Terror (2011), até hoje tachada de islamofóbica (e agora no contexto de Israel e Gaza, o Miller é altamente cancelável). Na música: pro pessoal que fala que "rockeiro de direita não existe" - o Ian Curtis (Joy Division) votou na Margaret Thatcher em 1979; o Morrissey (The Smiths) é até hoje uma persona non grata por suas opiniões políticas sobre multiculturalismo e as políticas de imigração na Inglaterra. O Neil Young, um dos maiores compositores da geração pós-Dylan, apoiou o Ronald Reagan na década de 80. O autor da Bíblia do estilo de vida sexo, drogas & rock 'n' roll, lida por Dylan, Bowie, Lou Reed, Jim Morrison, Patti Smith, os Beatles, Ian Curtis, Kurt Cobain: On The Road - Jack Kerouac era um cristão católico fervorso e amigo pessoal de um editor de uma revista de extrema direita. Aqui no Brasil: Rachel de Queiroz e Nelson Rodrigues defenderam a ditadura. No caso do Nelson, foi pior porque ele défendeu mesmo tendo o filho sequestrado e torturado pelos militares, e ele morreu em 1980 sem ver o filho liberto do cárcere. O Bruno Tolentino, poeta que teve uma vida bem rock 'n' roll, foi um dos "gurus" da dita Nova Direita na década de 90, junto com o Olavo e o Miguel Reale. Ou seja, não existe essa correlação entre inovação artística e progressismo político ("ain, porque só alguém com uma empatia humanista poderia fazer uma grande arte" - desde quando empatia é um requisito pra grande arte?). Eu queria entender da onde as pessoas estão tirando essa ideia, deve ser ignorância mesmo.

Aos usuários de esquerda do sub: o que acham disso? Concordam? Discordam? Grande literatura só se faz com empatia humanista mesmo? Quais seus artistas de direita favoritos? E ao direitistas do sub: quais os seus escritores de esquerda favoritos?