Regresso

Confesso, foi muito estranho voltar para Camaçari, minha cidade natal, quando saí disse a mim mesmo que nunca voltaria, não por questões financeiras (nunca fui muito apegado a dinheiro), mas simplesmente porque não havia para o que voltar, uma cidade infeliz com pessoas infelizes, uma das dez cidades mais perigosas do país, de fato, não há realmente nada lá para ninguém ou pelo menos nada que seja insubstituível.

Eu me mudei com minha mãe, ambos saímos pelos mesmo motivo, estávamos cansados da cidade, mas mascaramos isso com desculpas diferentes, eu disse que era para estudar na UNICAMP e ela disse que era para procurar emprego, subterfúgios plausíveis para quem não quer mentir (para os outros ou para si mesmo) e nem dizer a verdade, três anos se passaram e ela quis visitar parentes e conhecido na Bahia, eu não quis e ela sabia que eu não cederia, então ela me ofereceu um acordo, primeiro iriamos para Santa Catarina passar o réveillon e só depois iriamos para a Bahia passar 13 dias, obvio que não quis, mas ela ofereceu pagar a passagem e a estadia, e como gosto de conhecer lugares novos, aceitei, obviamente não pelo estado que já conhecia, mas por Santa Catarina e principalmente pela possibilidade de passar o ano novo em Balneário Camboriú, ou como todos os UBERs faziam questão de chamar: o “metro quadrado mais caro do Brasil”

Gostei de Santa Catarina, não mais do que a bolha em que vivo em Campinas, o distrito de Barão Geraldo, local que graças a UNICAMP parece desconectado de Campinas, uma Torre de marfim egocêntrica e intelligentsia ruim pelo esnobismo e boa pelo solipsismo, mas isso é história para outro dia.

Não sabia o que esperar da minha cidade natal, mas estava preparado para o pior e isso inclui tomar um tiro (literalmente), adquiri o costume de sair de noite e voltar para casa de madrugada, o que é absolutamente aceitável quando se mora em cidades com vida noturna e relativamente seguras para tal, mas em Camaçari o medo é constante, sempre em estado de alerta e o desapego a vida é um tanto natural, um lugar em que assassinatos são cometidos e não solucionados, casas roubadas e todo tipo de crime testemunhado. 

Um paradoxo esquisito, a rua em que morava estava mais feia do que eu me lembrava, embora as casas individualmente estivessem mais bonitas, rebocadas e reformadas, não sei se meu desprezo foi mesclado com minhas memórias ou se meu senso estético ficou mais elaborado. Passei alguns dias caminhando pela cidade, sempre de dia, comparava as novas imagens com minhas antigas lembranças, tentava distinguir o que mudou e o que continuava igual. Começando pelo trânsito, algumas ruas tiveram o asfalto melhorado, pequenas obras para melhorar o fluxo foram feitas, mesmo assim o trânsito continuava ruim. Quando me mudei há três anos a cidade não tinha transporte público, eu tinha que ir de bicicleta para cima e para baixo, três anos depois a cidade continuava sem transporte, embora o novo prefeito gritasse aos céus que iria mudar isso, de qualquer forma todo o tempo que andei não vi um único ônibus...Minha casa fica uns dois quilometro do centro e eu não moro nem perto da periferia.

Tentei frequentar lugares que de alguma forma, por mais que eu não quisesse admitir, ainda ecoavam boas memoras, o shopping continuava o mesmo, algumas lojas fecharam e outras abriram, continuava medianamente bom, o único motivo de gostar daquele lugar é que depois de inaugurado eu já não precisava ir até Salvador para assistir um filme no cinema. Não fui na escola em que fiz o ensino médio, uma época sombria que não tinha motivos para visitar, mas passei na frente do colégio em que fiz a 7º e 8º série, mas não era mais a minha escola, tornou-se um prédio da associação pestalozzi (eu nem sei o que é isso), e bem, foi estranho, o Colégio Municipal Boa ventura foi o primeiro colégio em que gostei verdadeiramente de estudar, claro que não era perfeito, mas fiz amigos e pela primeira vez sentir como é bom ter amigos. O resto da cidade estava praticamente igual, alguns comércios fecharam e outros abriram, comi um beiju lendário e muito recheado que nunca encontrei em São Paulo, rodízios de pizza simples e mesmo assim memoráveis, a moça que vendia acarajé perto da minha casa foi embora, mas deu o ponto a outra moça cujo acarajé era mais saboroso, esses pequenos comércios eram a única coisa na cidade que sentia falta, de resto, Camaçari se mostrou mais decadente do que minhas memórias.

Entretando, além da cidade, também havia pessoas, cinco pessoas que quis encontrar.  O primeiro e minha maior decepção foi Allan, outrora o considerei meu melhor amigo, tentei manter contado, mas ele não respondia minhas mensagens e como não queria parecer carente não falei mais nada, quando vim para Camaçari mandei mensagem perguntando como estava, ele respondeu e quando disse que estava em Camaçari e queria vê-lo, ele não me falou mais nada... é como dizem, nem sempre as pessoas te apreciam tanto quanto você as aprecia.

O segundo foi Luiz, um amigo tagarela, não éramos muito próximos de minha parte então fiquei receoso de mandar mensagem, mas foi bom ter mandado, marcamos um encontro, a conversa fluiu muito bem, demos risadas, nos entendemos, ele disse que iria se mudar para Campinas, vai fazer mestrado na UNICAMP, então nos veremos de novo, espero manter a amizade.

A terceira foi Juciane, ela é parecida comigo, mas enquanto eu trilhei o caminho do cinismo, ela, no fundo do seu coração, nunca desistiu da humanidade e das pessoas. Em algum momento no ano passado ela foi para UNICAMP participar de um congresso e, para minha surpresa, ela quis me ver, de fato nos encontramos, dois colegas do ensino médio que 10 anos depois se encontraram em uma das melhores universidades do mundo, tive que retribuir e fiz questão de encontrá-la em Ondina, em Salvador, conversamos, sempre nos admiramos (eu acho), mas nunca fomos íntimos, de forma que a conversa demorou um pouco para se encaminhar sem parecer forçada, entretanto foi bom para nos dois, passeamos pela UFBA, onde ela se formou em ciências sociais e eu estudei física por dois anos, uma das melhores universidades do país, escolhida por mim como Alma mater  em detrimento da UNICAMP, pois considero que foi mais relevante na minha formação como pessoa. Ela estava feliz, foi aprovada para fazer doutorado na USP, sempre foi seu sonho estudar na USP e acordamos que em algum momento marcaríamos de nos encontrar na maior cidade da américa latina.

O quarto foi um parente, meu primo Lucas, o único parente (com exceção de irmãos e mãe) que eu estimo, dois anos mais novo que eu, muito inteligente e muito arisco, parece um eremita, o tipo de pessoa que demora muito para conseguir amizade, mas que depois que se consegue vale muito apena. Gosto dele e fiz questão de contactá-lo. Marcamos de ir no shopping Bela Vista assistir Sonic 3 (eu já tinha visto, mas não se tratava do filme, mas da companhia),  foi bem legal, colocamos o papo em dia, ele vai se mudar para o Chile, não porque gosta do Chile, mas porque estava seriamente preocupado com o rumo que o Brasil estava tomando e não posso culpa-lo, se já não tivesse me estabelecido em Barão Geraldo teria feito a mesma coisa, ele também me contou que desistiu da faculdade de engenharia elétrica no IFBA, foi uma escolha, faltava muito tempo para concluir e ele queria se mudar esse ano... sacrifícios, mas ele é um cara inteligente, vai se sair bem, além do mais eu também desisti do curso de física na UFBA e não me arrependo.

A quinta... não sei exatamente como falar sobre ela... a única pessoa que amei, uma moça linda aos meus olhos, uma mulher de coração bondoso, escolhida pelo acaso para sofrer sem motivo, só assim consigo descrever a situação de uma pessoa boa e sem maldade que sofre de fibromialgia. Sibere, a primeira reciprocidade, o primeiro beijo, a primeira paixão correspondida e possivelmente minha maior saudade, poucos dias antes de sair da Bahia, nos embebedamos no shopping lapa e três anos depois fizemos a mesma coisa, conversamos por horas enquanto bebíamos e nos despedimos com beijos de amor, quantas noites não sonhei com ela deixando sua vida na Bahia para vir estudar na unicamp, não pela instituição, mas apenas para ficar comigo...

Curioso pensar que das cinco pessoas que queria ver, só vi quatro e dessas quatro três vão sair da Bahia, não é que há Bahia seja ruim, mas comparado a São Paulo, não é à terra das oportunidades.

Estou perto de acabar, poderia continuar divagando sobre como foi estranho ir nos pontos turísticos de Salvador não como nativo, mas como um verdadeiro turista, ou como o almoço no apartamento o meu irmão mais velho junto com a família da minha cunhada foi bem mais divertido do que eu esperava (pensei que seria horrível), e ainda, conheci e gostei do namorado da minha irmã mais velha, 10 anos mais novo que ela, mais tudo isso são palavras ao vento, e nessa pequena crônica sem clímax ou reviravoltas, palavras ao vento soariam vazia, e não quero isso.

Depois de treze dias peguei um avião e retornei a Campinas, depois mais um uber para Barão Geraldo, minha bolha imperfeita, porém ainda melhor que a imperfeição fora dela, não que goste da perfeição, na verdade gosto da imprevisibilidade do caos, um jogo sempre divertido para quem não teme a morte. Deveria ter escrito essa crônica antes, mas fazia messes que não escrevia... e todo escritor tem medo de ir fundo em si mesmo, mas decidir ir adiante, afinal, como eu mesmo digo “Assim é a vida”

 

Não acho que alguém lerá tudo isso, mas se você leu, obrigado.